- Sofia Mandelert
Sentimento de urgência

De joelhos num campo aberto
Ouço o tiro da largada
Mas não sei de onde veio o estouro
Nem em que direção fica
a faixa de chegada
Outro tiro
escolho a rota do vento
Mas era o sopro
da minha irmãzinha nas velas coloridas do seu bolo de aniversário
Mais um ano se passou e ainda não tive tempo
pra contar pra ela as histórias daquelas mulheres
que já corriam antes de nós.
Outro tiro
Faço uni-duni-tê
E vou voando para o horizonte
Como um afogado que
Confundido pelas marés
Nada em direção ao fundo do mar
A largada continua a soar
De novo e de novo
Tem o som do meu alarme todas as manhãs
Mas eu nunca acordo
Tem o som dos casamentos e nascimentos e mortes
Mas eu não nasço nem morro
e ao que parece também não vou casar
Tem o som do meu professor que diz meu nome na chamada
mas eu nunca estou
Tem o som do relógio que bate 3 da manhã
e eu nunca estou dormindo quando deveria
Tem o som perfeito das festas
as quais persigo
para as quais me arrumo
mas estou sempre atrasada
Tem o som insuportável do silêncio
que arde quando alguém não diz o que queria gritar.
Tem o som estridente da minha própria voz
que eu escuto dizendo algo que não é nem verdade.
Tem o som amargo e violento de quando você não responde
o que eu queria ouvir
Tem o som alto e denunciante das bombas
que eu leio sobre no jornal
caindo nos lugares onde eu nunca chego pra ajudar
Tudo parece um sinal para correr
e tudo parece motivo
e tudo parece estrada
mas nada vem como orientação
De tanto rodopiar enlouquecida
caí de tonta
e permaneço parada
no mesmo lugar.
Sofia Mandelert é aluna do 9º período da FGV Direito Rio.
A foto é da Isadora Dutra, ilustradora da nossa 13ª edição.