- Rodrigo Tamussino Roll
Primeiro reflexo de Clarice
Menino… Menino… cresce…
Menino… Menino… sua vez!
- Ok! - Responde como um cardíaco que sofrera uma parada reage ao desfibrilador.
- Cansado?
- Pois é… (só se for de mim mesmo)
- Quer um café?
- Não precisa, obrigado, já voltei pro mundo! - Mundo esse amarelo, quase pardo da cor de envelopes, do escritório do homem.
- Então entre lá que já tá na sua vez. - insiste a mulher.
Antes de sair da sala de espera, olhou em volta os outros meninos engravatados e ajeitou seu terno. A salinha fria somada à voz constante da mulher deixaram-no sonolento. Percebe-se a tranquilidade invejável (ou excessiva) de quem está prestes a se deparar com o futuro, ou ao menos uma chance para esse jovem indeciso que busca um futuro.
Em passos largos e confiantes ele sai do berçário monótono para entrar na sala do "enfermeiro-chefe" (ou do dono do hospital). O clima logo muda e a aparência também. O amarelo-envelope dá lugar a um azul-escuro, pujante e vivo, como se as paredes já confrontassem o transeunte, mero mortal, a atravessar a porta para o Olimpo.
“Entre sem bater”, estava escrito em letras garrafais e destacadas na entrada da sala de entrevista. O Menino desligado tomou fôlego e obedeceu.
Passando a entrada, uma luz forte já desafiava quem ousasse atravessá-la. Era o sol, sem calor, que refletia nas janelas do prédio vizinho. O homem cumprimentou o jovem com um aperto de mão e este começou a se acostumar com a claridade. Depois, ambos sentaram e o jogo começou.

- O que te diferencia dos outros?
- Acredito que pensar.
- Como?
- Bem, é que os outros não pensam…
- E o que te faz pensar e os outros não?
- Acho que minha curiosidade, vontade de não ser mais um e tentar mudar alguma coisa. Penso que para mudar tenho que ser diferente, não?
- Hmm… Então, quer ser advogado?
- Acredito que sim…
- Acredita!?
- É algo que me atrai e penso que seria…
- Diga-me uma qualidade sua.
- Persistente.
- Um defeito.
- Perdido.
- Introvertido ou extrovertido?
- Eloquente.
- Certo. Aqui diz que você se formou com méritos e sua faculdade é uma das melhores do país…
- É verdade.
- Muitas atividades interessantes que você fez também, vejo muitas recomendações aqui ao lado…
- Sou dedicado. Quero sempre dar o melhor possível, apesar de isso não estar sempre ao meu alcance…
- Entendo. Muito bom, ao meu ver...
Menino... Menino…
Procurando quem o chamava, ele rodeou os olhos sobre a sala, muito desconfiado dessa voz que cortara a fala de seu caminho para um emprego. Seria engano? Mero eco do choro de um dos meninos da salinha-envelope?
Menino... Menino... A voz aumentara.
Quando a porta é subitamente aberta pela mulher esbaforida.
- Temos que parar. - disse ela.
- Que houve? - indaga o jovem preocupado.
- Ele é…
- Eu imaginei, mas não quis acreditar. - disse o entrevistador.
- Sou…?
Nesse momento, o chefe levantou enquanto desenganchava o telefone e dizia:
- Podem tira-lo, por favor. Rapidamente.
- O que está acontecendo? O que eu fiz?
- Não fez nada, meu jovem, você é e isso já basta.
Por que estariam me expulsando? Seria alguma discriminação? Havia dito algo que ofendera? Não é possível... - pensou o jovem já tenso.
A porta libertara dois homens largos com apenas uma convicção: retirar o Menino da sala. Agarram-no pelo braço enquanto ele esperneava confuso, coitado.

- O QUE EU SOU!?
Homem e mulher se entreolharam e decidiram avisar o Menino de sua condição, ambos com olhares de pena:
- Poeta.
Menino... Menino...
- Sim?
- Quando crescer, o que você quer ser? É sua vez de nos contar!
O Menino suava frio e seu coração não cabia no peito. A professora e seus colegas aguardavam a resposta para que se desse seguimento à atividade.
- Ah! Perdão. Bem... eu... não sei. - respondia um pensamento atordoado e em voz alta.
- Não é possível! Todos já sabem e você continua em dúvida?
- É que… -balbuciava o Menino desperto de um pesadelo profundo - quero ser advogado, mas...
- Mas? Não está bom o bastante? Vai ser rico!
- Pois é, só que gosto de escrever coisas diferentes, então não sei bem se...
- Diferentes?
O Menino já suava frio. Seria a continuação de seu pesadelo? Por que haveria ele o ingrato ímpeto de dizer "poeta"? Seria confusão de sua cabeça atordoada por mil e um gostos? Ou seria simplesmente um desafio que seu inconsciente lançara?
- Ah, nada demais, é porque cansa escrever repetido, e meu tio disse que advogado só sabe escrev... - Deus o interrompera (ou seria um anjo?) em forma de sino: era hora do recreio. Todos levantaram-se afoitos para disputar um lugar na enorme fila do lanche ou para serem os "de dentro" no futebol ou qualquer outra coisa dessas que crianças fazem, sabe?
- Muito bem. Até semana que vem! - Disse a professora enquanto todos já estavam correndo, e ela própria arrumando suas coisas.
Em uma questão de dois minutos a sala estava vazia de pessoas, mas cheia de oportunidades. "O que sou?", pensou o Menino em meio a tudo que conhecia.
Menino... Menino...
Menino... Menino...
Era o senhor da limpeza que o chamava agora, tinha que arrumar a sala para a volta do recreio.
- Menino, já acabou?
- Sim! - pela primeira vez confiante e decidido.
- Desculpe o atraso...
- Tudo bem! - respondera o moço.
- Ah, e uma coisa!
- Sim?
- Não é mais "Menino", é "Poeta"! - disse indo embora para onde seus versos o levassem.
Rodrigo Tamussino Roll é aluno do 5º período da FGV Direito Rio
As ilustrações deste texto foram feitas pelo Amauri (@amaurietc), ilustrador da Edição 11 da Revista